Comício Gargalhada

 

 

O Theatro Net Rio estava lotado, para surpresa deste jornalista que não esperava tamanho público em uma sexta-feira, em uma sessão de horário alternativo: 23h:59m. A fila na bilheteria traduzia as risadas que poderiam ser conferidas no palco. Estrelado por Rodrigo Sant'anna, o espetáculo “Comício Gargalhada” reúne famosos personagens como: Admilson e Valéria que são sucesso do humorístico Zorra Total, da “Rede Globo”.
Na peça, o ator resolveu exportar estes e outros personagens para os palcos e busca fazer uma grande sátira aos comícios eleitorais. A ideia é interessante, mas infelizmente mal executada. As personagens se apresentam e contam suas histórias, mas a questão do voto e do palanque desaparece e o pano de fundo da peça acaba sendo desmontado. Até o final da sessão já havia me esquecido qual era o grande mote que reuniu aquelas personagens em cena.
Um grande problema dos espetáculos feitos com o formato de quadros é a entre cena, o que virá entre uma personagem e outra, já que temos apenas um ator no comando. A solução dada é o próprio Rodrigo no palco falando sobre sua carreira, sua família e história. Algumas vezes funciona e na maioria não. Novamente se esquece a questão dos comícios e o ator se enrola ao fazer suas trocas de figurino e adereços. O pai do ator também auxilia nas trocas, mas a impressão que causa é uma profunda desorganização cênica. Com textos interessantes e personagens bem construídos falta direção para Rodrigo Sant'anna.
“A história se inicia quando Adelaide (uma mendiga pedinte) invade o palco-palanque e começa a falar de sua "plataforma política". Na sequência, vem Vanderley das Almas (sensitivo), Sara menininha (Cantora de Axé), Juarez (Frango de Padaria), Homossexual Obeso, Adimilson e Valéria, todos interessados em convencer o público de suas campanhas. Entre um personagem e outro, Rodrigo ainda encontra fôlego para contar casos engraçados de sua história. “ o release da montagem apresenta as personagens que podem ser conferidas em cena.
Rodrigo Sant'anna tem um tipo característico de humor, que ele mesmo traduz como sendo uma herança do subúrbio carioca. Seus textos traduzem parte dessa história. É interessante assistir suas personagens, seus dilemas e contra vontades. Apesar disso é importante dizer que o ator acaba esquecendo do texto em alguns momentos e passa a lutar pelo riso. Palavrões em lugares desnecessários acabam sendo aplicados para a produção do riso fácil. Reintero afirmando que tudo isso pode ser resolvido com uma boa direção de ator e de cena.
Sem grandes recursos cênicos, a iluminação acaba sendo grande aliada de Rodrigo. A peça tem arestas para serem acertadas, mas é sem dúvida uma comédia que merece ser vista. O final do espetáculo é a grande entrada de Valéria. Aguardada pela plateia a personagem tira onda e o riso é garantido!

 

 

 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

O príncipe (RJ)

“O príncipe” é um espetáculo ruim. Dirigido por Leona Cavalli e interpretado por Henrique Guimarães, no monólogo, não é possível nem identificar uma boa direção e nem um bom trabalho de interpretação. A dramaturgia, por sua vez, do ator e de Ana Vitória Monteiro, também é cambaleante. A produção tem o mérito de oferecer um belo trabalho de iluminação de Ricardo Fujii. Quanto ao resto, valem as justificativas para esta crítica, a peça artística sempre como objeto-motivo para uma reflexão sobre o fazer teatral. 
 
Baseado no livro homônimo de Nicolau Maquiavel (1469-1527), o espetáculo se apresenta com a entrada do autor vindo dos confins do tempo para os dias de hoje na cena inicial. Nesse sentido, a dramaturgia abre espaço para uma reflexão crítica sobre a obra “O Príncipe”, citando, por exemplo, comentários críticos de Napoleão Bonaparte, entre outras citações mais contemporâneas. A questão é que, embora o personagem, afirme que “não se deve ficar em cima do muro, mas tomar partido”, o próprio espetáculo não avalia, não se posiciona, não decide sobre as teses que levanta. Com a mesma força que preserva as sugestões de seu autor de matar e perseguir os inimigos, valoriza o conselho de governar ao lado do povo. O resultado é uma plateia silenciosa nas questões mais liberais, e consequentemente reprováveis, e vibrante na hora em que Maquiavel exorta a importância dos menos favorecidos. Quem pensa sobre o espetáculo além de apenas lho assistir passivamente, há de convir que as teses são contraditórias para o pensamento de hoje, mesmo que não o fossem há quinhentos anos, quando a obra foi escrita. Por isso, assistir a uma dramaturgia que não defende esse ou aquele lado e tampouco deixa claro a responsabilidade do público quanto a isso deixa dúvidas sobre sua coerência enquanto estrutura que poderia ser coesa.
 
Na intepretação, não há uma só palavra que não seja acompanhada por um gesto. Para citar, há um momento em que Henrique Guimarães fala em "banquete" enquanto suas mãos, com palmas viradas para dentro, se movimentam em direção à boca. Assim, frase por frase, todo o texto é acompanhado por ilustrações gesto-corporais que superficializam o trabalho de interpretação e o tornam mera (e ruim) representação. Henrique Guimarães é um ator bonito que sabe que o é. Na direção de Leona Cavalli, parece haver uma desconsideração do teatro e uma valorização do intérprete, que “se vende” para a luz, para as meninas do público, para as trocas e ausências de figurino. A reflexão que o espetáculo promete gerar não encontra marcas cênicas que a permitem acontecer, isto porque as palavras são apenas trilha sonora para um encarrilhamento de ações sem justificativas inteligentes. 
 
É interessante o desenho de luz de Fujii, que opta por nunca aparecer em plongée absoluto. Os focos de luz, sempre bastante recortados, vêm de baixo ou do centro, aumentando a impressão de eternidade e criando uma atmosfera expressionista que, apesar de se perder pela direção, pela interpretação e pela dramaturgia, poderia oferecer uma profundidade simbólica bem interessante. 
 
Em cartaz na Sala Multiuso do Mezanino do Sesc, o espetáculo veio acompanhado de uma série de debates sobre o livro de Maquiavel. Talvez neles esteja a profundidade reflexiva que a obra artística não conseguiu viabilizar dessa vez. 

FICHA TÉCNICA 
Direção: Leona Cavalli
Elenco: Henrique Guimarães 
Dramaturgia: Ana Vitória Monteiro e Henrique Guimarães
Assistência de Direção: Juliana Schalch
Cenário: Henrique Guimarães e Leona Cavalli
Luz: Ricardo Fujii
Figurino: Mariana Baffa
Sonoplastia: Renato Alscher 
Arte gráfica: William Gatner
Fotos de divulgação: Ricardo Fujii
Produção: Boas Novas Produções Artísticas
Coordenação de produção: Henrique Guimarães e Juliana Schalch 
Convidados dos debates: Eugênio Lima, André Gardel e Luiz Eduardo Soares
Assessoria de imprensa e Mediação dos debates: Ramon Mello